quinta-feira, 2 de junho de 2011

A justiça às vezes prevalece...


Juiz nega Justiça Gratuita para garoto,
mas desembargador reverte a decisão
Redação 24 Horas News

É simplesmente emocionante a decisão de um desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo. Um garoto pobre que perdeu o pai em um acidente de trânsito pediu o benefício da Justiça Gratuita, mas um juiz a negou. A negativa por si só já comove, principalmente pela falta de humanidade. Só que, a decisão de um desembargador é ainda muito mais emocionante.

A decisão proferida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo a partir do voto do desembargador Palma Bisson é daquelas que merecem ser comentadas, guardadas e relidas diariamente por todos os que militam no Judiciário.
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Transcrevo a íntegra do voto:
"É o relatório. Que sorte a sua, menino, depois do azar de perder o pai e ter sido vitimado por um filho de coração duro - ou sem ele -, com o indeferimento da gratuidade que você perseguia. Um dedo de sorte apenas, é verdade, mas de sorte rara, que a loteria do distribuidor, perversa por natureza, não costuma proporcionar, fez caber a mim, com efeito, filho de marceneiro como você, a missão de reavaliar a sua fortuna. Aquela para mim maior, aliás, pelo meu pai - por Deus ainda vivente e trabalhador - legada, olha-me agora. É uma plaina manual feita por ele em paubrasil, e que, aparentemente enfeitando o meu gabinete de trabalho, a rigor diuturnamente avisa quem sou, de onde vim e com que cuidado extremo, cuidado de artesão marceneiro, devo tratar as pessoas que me vêm a julgamento disfarçados de autos processuais, tantos são os que nestes vêem apenas papel repetido. É uma plaina que faz lembrar, sobretudo, meus caros dias de menino, em que trabalhei com meu pai e tantos outros marceneiros como ele, derretendo cola coqueiro - que nem existe mais - num velho fogão a gravetos que nunca faltavam na oficina de marcenaria em que cresci; fogão cheiroso da queima da madeira e do pão com manteiga, ali tostado no paralelo da faina menina. Desde esses dias, que você menino desafortunadamente não terá, eu hauri a certeza de que os marceneiros não são ricos não, de dinheiro ao menos. São os marceneiros nesta Terra até hoje, menino saiba, como aquele José, pai do menino Deus, que até o julgador singular deveria saber quem é.
O seu pai, menino, desses marceneiros era. Foi atropelado na volta a pé do trabalho, o que, nesses dias em que qualquer um é motorizado, já é sinal de pobreza bastante. E se tornava para descansar em casa posta no Conjunto Habitacional Monte Castelo, no castelo somente em nome habitava, sinal de pobreza exuberante.
Claro como a luz, igualmente, é o fato de que você, menino, no pedir pensão de apenas um salário mínimo, pede não mais que para comer. Logo, para quem quer e consegue ver nas aplainadas entrelinhas da sua vida, o que você nela tem de sobra, menino, é a fome não saciada dos pobres.
Por conseguinte um deles é, e não deixa de sê-lo, saiba mais uma vez, nem por estar contando com defensor particular. O ser filho de marceneiro me ensinou inclusive a não ver nesse detalhe um sinal de riqueza do cliente; antes e ao revés, a nele divisar um gesto de pureza do causídico. Tantas, deveras, foram as causas pobres que patrocinei quando advogava, em troca quase sempre de nada, ou, em certa feita, como me lembro com a boca cheia d'água, de um prato de alvas balas de coco, verba honorária em riqueza jamais superada pelo lúdico e inesquecível prazer que me proporcionou.
Ademais, onde está escrito que pobre que se preza deve procurar somente os advogados dos pobres para defendê-lo? Quiçá no livro grosso dos preconceitos...
Enfim, menino, tudo isso é para dizer que você merece sim a gratuidade, em razão da pobreza que, no seu caso, grita a plenos pulmões para quem quer e consegue ouvir.
Fica este seu agravo de instrumento então provido; mantida fica, agora com ares de definitiva, a antecipação da tutela recursal.
É como marceneiro que voto."

JOSÉ LUIZ PALMA BISSON - Relator
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Colaboração
Paulo Cesar (Centro

2 comentários:

  1. Se em nosso judiciário existissem magistrados e tantos outros ocupantes de cargos deste poder com esta visão e entendimento de como é realmente a vida dura do trabalhador brasileiro, que luta dioturnamente para sorver sua família das necessidades mais básicas, e ainda assim não o faz plenamente, haja vista que recebe poucos cobres pelo suor e sangue derramado de sua labuta, e ainda perde a vida nesta luta insana, nessa carnificina diária, previsível e evitável que transformou o trânsito em nosso país, deixando filhos e esposa a mercê do que a "sociedade" considera ser satisfátoria para sua sobrevivência, com certeza teríamos um país mais justo onde o que teria mais valor não seria os bens materiais e sim a dignidade, a honra, o respeito, o amor.
    Ainda sonho o dia que decisões como a relatada nesta postagem não serão fatos isolados de pessoas dignas e honestas, que aprenderam a valorizar às pessoas pelo o que elas são e não pelo que possuem, e sim uma realidade.

    Será que estarei vivo para ver este sonho se concretizar?

    Acho difícil, infelizmente.

    Mas mesmo assim, achando que não verei em vida esta mudança, luto diariamente, incessantemente, faço minha parte, para que um essa história mude e as futuras gerações possam viver em harmonia e paz.

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  2. Olá, Rafael!

    Entendo que este seja o significado e a razão de nossa existência! Não podemos, jamais, perder a esperança. Ao contrário, é preciso que, mesmo nos momentos mais difíceis e desesperançosos, sejamos perseverantes e otimistas.
    Assim, munidos de todos esses ingredientes, exercer com amor, dedicação e honestidade nossas atividades, em todos os níveis e segmentos!
    Forte Abraço!

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